
Resumo:
- Em uma série de postagens, começando com esta, argumentarei que no século XXI nossa civilização poderia desenvolver tecnologias que permitirão uma rápida expansão em toda a nossa galáxia, atualmente vazia. E, consequentemente, que este século poderia determinar todo o futuro da galáxia por dezenas de bilhões de anos, ou mais.
- Essa visão parece “audaciosa”: deveríamos analisar atentamente qualquer visão de que vivemos em um momento tão especial assim. Ilustro isso com uma cronologia da galáxia. (Pessoalmente, essa “audácia” é provavelmente a maior razão pela qual fui cético por muitos anos em relação aos argumentos apresentados nesta série. Tais alegações sobre a importância dos tempos em que vivemos parecem “audaciosas” o suficiente para serem suspeitas.)
- Mas não acredito que seja realmente possível não ter uma visão “audaciosa” sobre este tema. Discuto duas alternativas à minha visão: uma visão “conservadora” que pensa que as tecnologias que estou descrevendo são possíveis, mas que elas levarão muito mais tempo do que eu penso para se desenvolverem, e uma visão “cética” que pensa que a expansão em escala galáctica nunca acontecerá. Cada uma dessas visões parecem “audaciosas” à sua própria maneira.
- No final das contas, conforme sugerido pelo Paradoxo de Fermi, nossa espécie parece estar simplesmente em uma situação “audaciosa”.
Minha visão
Este é o primeiro de uma série de artigos sobre a hipótese de que vivemos no século mais importante para a humanidade.
Nesta série, argumentarei que há uma boa chance de uma explosão de produtividade ocorrer até 2100, o que acarretaria rapidamente o que poderíamos chamar de uma civilização “tecnologicamente madura”2 . Isso significaria que:
- Conseguiríamos enviar espaçonaves por toda a galáxia e além.
- Essas espaçonaves conseguiriam extrair materiais, construir robôs,computadores e assentamentos robustos e duradouros em outros planetas, aproveitando a energia das estrelas e sustentando inúmeras pessoas (e/ou nossos “descendentes digitais”).
- Veja Eternity in Six Hours (A eternidade em seis horas) para uma discussão fascinante e curta, embora técnica, sobre o que seria necessário para isto acontecer. Também discutirei em artigos futuros (já disponíveis aqui e aqui), que existe uma probabilidade de “aprisionamento de valor”: quem estiver à frente do processo de expansão espacial poderá determinar que tipo de pessoas estarão no comando dos assentamentos e que tipo de valores sociais eles terão, de uma forma estável por muitos bilhões de anos3.
Se isso acabar acontecendo, podemos pensar sobre a história da nossa galáxia4 dessa forma. Marquei as principais conquistas da humanidade entre os pontos “ausência de vida” até “vida inteligente que constrói seus próprios computadores e viaja pelo espaço”.

Agradecimentos a Ludwig Schubert pelo gráfico. Muitas datas são altamente aproximadas e/ou propensas a críticas e/ou apenas extraídas da Wikipedia (fontes aqui), mas mudanças plausíveis não mudariam o quadro geral. Os aproximadamente 1,4 bilhões de anos para completar a expansão espacial são baseados na distância até a borda externa da Via Láctea, dividida pela velocidade de uma nave espacial rápida feita pelo homem (detalhes na planilha recém-vinculada); Na minha opinião, é provável que seja uma superestimativa de quanto tempo levaria para se expandir por toda a galáxia. Consulte a nota de rodapé para saber porque não usei um eixo logarítmico.5
Que loucura!!! Na minha opinião, há uma probabilidade razoável de que estamos vivendo bem no início da pequena fração de tempo durante a qual a galáxia passará de quase sem vida para amplamente povoada. Que, de um número impressionante de pessoas que existirão, estamos entre os primeiros. E que, de centenas de bilhões de estrelas em nossa galáxia, a nossa produzirá os seres que a preencherão.
Sei o que estão pensando: “As chances de que viveríamos em um tempo tão importante parecem infinitesimais; as chances de que Holden esteja tendo delírios de grandeza (em nome de toda a Terra, mas ainda assim delírios), parecem muito maiores6“.
Mas:
A visão “conservadora”
Digamos que você concorde comigo sobre para onde a humanidade poderia estar se dirigindo — que eventualmente teremos a tecnologia para criar assentamentos robustos e estáveis em toda a nossa galáxia e além. Mas você acha que demorará muito mais do que estou dizendo.
Uma parte fundamental da minha visão (sobre a qual escreverei mais adiante) é que, neste século, poderíamos desenvolver uma Inteligência Artificial avançada o suficiente para iniciar uma explosão de produtividade. Digamos que você não acredite nisso.
- Você acha que estou subestimando os limites fundamentais dos sistemas de IA até o momento.
- Você acha que precisaremos de um número enorme de novos avanços científicos para construir IAs que realmente raciocinem de forma tão eficaz quanto os humanos.
- E mesmo quando o fizermos, a expansão por toda a galáxia será um caminho ainda mais longo.
Você não acha que nada disso acontecerá neste século — você pensa, em vez disso, que isso levará algo como 500 anos para acontecer. Isso é de 5 a 10 vezes o tempo que já passou desde que começamos a construir computadores. É mais tempo do que se passou desde que Isaac Newton fez a primeira tentativa crível de formular as Leis da Física. É quase o mesmo tempo que se passou desde o início da Revolução Científica.
Na verdade, não; sejamos ainda mais conservadores. Você acha que nosso progresso econômico e científico estagnará. As civilizações de hoje vão desmoronar e muitas outras civilizações vão se findar e se erguer. Claro, eventualmente conseguiremos nos expandir por toda a galáxia. Mas isso levará cerca de 100.000 anos. Isso é 10 vezes a quantidade de tempo que se passou desde que a civilização humana começou no Levante.
Aqui está a sua versão da cronologia:

A diferença entre a sua cronologia e a minha não chega nem a um píxel, então ela não aparece no gráfico. No final das contas, essa visão “conservadora” e a minha são as mesmas.
É verdade que a visão “conservadora” não tem a mesma urgência para a nossa geração em particular. Mas ela ainda nos coloca entre uma pequena proporção de pessoas em um período incrivelmente importante.
E ainda levanta questões sobre se as coisas que fazemos para melhorar o mundo — mesmo que estas ações tenham apenas um impacto minúsculo no mundo daqui a 100.000 anos — elas poderiam ser amplificadas em um grau galáctico-histórico-excepcional.
A visão cética
A “visão cética” seria, essencialmente, a de que a humanidade (ou algum descendente da humanidade, inclusive digital) nunca se espalhará pela galáxia. Há muitas razões pelas quais isso pode não acontecer:
- Talvez algo como viagens espaciais —e/ou a criação de robôs de mineração, painéis solares, etc. em outros planetas — seja efetivamente impossível de realizar, de modo que mesmo outros 100.000 anos de civilização humana não chegarão a esse ponto.7
- Ou talvez, por algum motivo, mesmo se for tecnologicamente viável, isso não acontecerá (porque ninguém queira fazer, porque quem não quer, bloqueia quem quer, etc.)
- Talvez seja possível nos expandirmos por toda a galáxia, mas não seja possível mantermos uma presença em muitos planetas por bilhões de anos, por alguma razão.
- Quem sabe a humanidade esteja destinada a se destruir antes de chegar a esse estágio.
- Porém observe que, se a maneira como nos destruiremos for por meio da Inteligência Artificial desalinhada,8 seria possível para a mesma construir sua própria tecnologia e se espalhar por toda a galáxia, o que parece estar alinhado com o pensamento das seções acima. Na verdade, isso ressalta que como lidaremos com a Inteligência Artificial neste século poderá ter ramificações por muitos bilhões de anos. Portanto, a humanidade teria que ser extinta de alguma forma que não deixasse nenhuma outra vida inteligente (ou máquinas inteligentes) para trás.
- Talvez uma espécie extraterrestre se espalhe pela galáxia antes de nós (ou mais ou menos na mesma época).
- No entanto, observe que isso não parece ter acontecido nos aproximadamente 13,77 bilhões de anos desde o início do universo e, segundo as seções acima, faltam apenas cerca de 1,5 bilhão de anos para nos espalharmos pela galáxia.
- Talvez alguma espécie extraterrestre já tenha efetivamente se espalhado por nossa galáxia e, por algum motivo, não a vejamos. Talvez eles estejam escondendo sua presença deliberadamente, enquanto estão prontos para impedir que nos espalhemos muito longe.
- Isso implicaria que eles decidiram não extrair energia de nenhuma das estrelas que podemos ver, pelo menos não de uma maneira que podemos perceber. No que lhe concerne, isso também implicaria que eles estão se abstendo de minerar energia, que poderiam usar para o que quisessem,9 inclusive para se defenderem de espécies como a nossa.
- Talvez tudo isso seja um sonho. Ou, uma simulação.
- Talvez seja outra coisa em que eu não esteja pensando.
É um número razoável de possibilidades, embora muitas delas pareçam bastante “audaciosas” à sua própria maneira. Coletivamente, eu diria que elas somam mais de 50% de probabilidade, mas eu me sentiria muito estranho afirmando que elas são esmagadoramente prováveis no seu conjunto.
“Vamos eventualmente criar assentamentos robustos e estáveis em toda a nossa galáxia e além.” No final das contas, aceitar um argumento contra pensar que algo assim é pelo menos razoavelmente provável é muito difícil para mim. Parece que dizer “de jeito nenhum” a essa afirmação exigiria uma confiança “audaciosa” sobre os limites da tecnologia e/ou as escolhas de longo prazo que as pessoas farão e/ou a inevitabilidade da extinção humana e/ou algo sobre alienígenas ou simulações.
Imagino que essa afirmação seja intuitiva para muitos leitores, mas não para todos. Defendê-la em profundidade não está nos meus planos no momento, mas repensarei se houver demanda o suficiente para isso.
Porque todas as visões possíveis são audaciosas: o paradoxo de Fermi
Estou afirmando que seria “audacioso” pensar que, basicamente, temos a garantia de nunca nos espalharemos pela galáxia, mas também que é “audacioso” pensar que temos uma probabilidade razoável de nos espalharmos por toda a galáxia.
Em outras palavras, estou chamando todas as crenças possíveis sobre esse tópico de “audaciosas”. Isso porque acredito que estamos em uma situação “audaciosa”.
Aqui estão algumas situações alternativas que poderiam ter acontecido conosco, que eu não consideraria tão audaciosas assim:
- Poderíamos viver em uma galáxia predominantemente povoada, seja por nossa espécie ou por várias espécies extraterrestres. Estaríamos em alguma região do espaço densamente povoada, cercada por planetas povoados. Talvez ao ler a história de nossa civilização saberíamos (pela História e pela falta de estrelas vazias) que não fomos alguns dos primeiros seres vivos com oportunidades incomuns à nossa frente.
- Poderíamos viver em um mundo onde o tipo de tecnologia que venho discutindo aqui nunca pareceria possível. Não teríamos nenhuma esperança de fazer viagens espaciais, estudar com sucesso nossos próprios cérebros ou construir nossos próprios computadores. Talvez pudéssemos, de alguma forma, detectar vida em outros planetas, mas, se o fizéssemos, veríamos que eles também carecem desse tipo de tecnologia.
Mas a expansão espacial parece viável e nossa galáxia está vazia. Essas duas coisas parecem estar em tensão. Uma tensão semelhante — a questão de porque não vemos sinais de extraterrestres, apesar de a galáxia ter tantas estrelas possíveis das quais eles poderiam emergir — é frequentemente discutida sob o título de Paradoxo de Fermi.
A Wikipedia tem uma lista de possíveis soluções do paradoxo de Fermi. Muitas delas correspondem às possibilidades da visão cética que listei acima. Algumas parecem menos relevantes para este artigo. Por exemplo, existem várias razões pelas quais os extraterrestres podem estar presentes, mas não detectados. Mas acredito que qualquer mundo onde os extraterrestres não impeçam nossa espécie de expandir-se em escala galáctica acaba sendo “audacioso”, mesmo que os extraterrestres já estejam lá.
Minha opinião atual é que a melhor análise do Paradoxo de Fermi disponível hoje favorece a explicação de que a vida inteligente é extremamente rara: algo sobre o surgimento da vida primeiramente, ou a evolução dos cérebros, é muito improvável que tenha acontecido em muitas (ou quaisquer) outras partes da galáxia.10
Isso implicaria que os passos mais difíceis e improváveis no caminho para a expansão em escala galáctica são os passos que nossa espécie já deu. E isso implica que vivemos em uma época estranha: extremamente recente na história de uma estrela extremamente incomum.
Se começássemos a encontrar sinais de vida inteligente em outro lugar da galáxia, eu consideraria isso uma grande atualização da minha visão “audaciosa” atual. Isso implicaria que o que quer que tenha impedido a expansão de outras espécies em toda a galáxia também nos impedirá.
Este ponto pálido azul pode ser incrivelmente importante
Descrevendo a Terra como um pequeno ponto em uma foto do espaço, Ann Druyan e Carl Sagan escreveram:
Este é um sentimento um tanto comum – quando você recua e pensa em nossas vidas no contexto de bilhões de anos e bilhões de estrelas, você vê quão insignificantes são todas as coisas com as quais nos preocupamos hoje.
Mas aqui estou apresentando o argumento oposto.
Parece que nosso “pequeno ponto” tem uma chance real de ser a origem de uma civilização em escala galáctica. Parece absurdo, até delirante acreditar nessa possibilidade. Mas, dadas as nossas observações, parece igualmente estranho rejeitá-la.
E se isso estiver certo, as escolhas feitas nos próximos 100.000 anos — ou mesmo neste século — poderão determinar se essa civilização em escala galáctica existirá e quais valores ela terá, em bilhões de estrelas e bilhões de anos por vir.
Então, quando olho para a vasta extensão do espaço, não penso: “Ah, no final nada disso importa”. Penso: “Bem, parte do que fazemos provavelmente não importa. Mas parte do que fazemos pode ser mais importante do que qualquer outra coisa… Seria ótimo se pudéssemos prestar atenção nisso.”
Notas
2 ou Kardashev Type III (Kardashev Tipo III).
3 Se conseguirmos criar uploads de mentes, ou simulações computacionais detalhadas de pessoas tão conscientes quanto nós, seria possível colocá-las em ambientes virtuais que reinicializariam automaticamente ou se “corrigiriam” sempre que a sociedade desejasse mudá-los de alguma maneira; por exemplo, se uma determinada religião se tornar dominante ou perder o domínio. Isto pode dar aos designers desses “ambientes virtuais” a habilidade de “aprisionar” religiões particulares, governantes específicos, etc. Discutirei mais sobre isso em artigos futuros (já disponíveis aqui e aqui).
4 Concentrei-me na “galáxia” de forma um tanto arbitrária. Espalhar-se por todo o universo acessível levaria muito mais tempo do que se espalhar por toda a galáxia, e até que o façamos, ainda é imaginável que algumas espécies de fora de nossa galáxia perturbarão a “civilização estável em escala galáctica”. Mas acredito que levar isso em consideração adicionaria bastante complexidade sem alterar o quadro geral. Posso abordar isso em algum artigo futuro.
5Uma versão logarítmica não aparenta ser menos estranha, porque as distâncias entre os marcos temporais “intermediários” são minúsculas em comparação com os espaços de tempo antes e depois desses marcos. Mais fundamentalmente, estou falando sobre como é notável estar no [pequeno número] de anos mais importantes de [um grande número] de anos —isso é melhor apresentado usando um eixo linear. Muitas vezes, gráficos de aparência estranha parecem mais razoáveis com eixos logarítmicos, mas, neste caso, acredito que o gráfico parece estranho por a situação ser estranha. Provavelmente, a versão menos estranha deste gráfico teria o eixo x como sendo a distância registrada a partir do ano 2100, mas isso seria uma premissa e tanto para um gráfico — basicamente isso seria como assumir como certo o meu argumento de que esse parece ser um período muito especial.
6Esse é exatamente o tipo de pensamento que me manteve cético por muitos anos em relação aos argumentos que apresentarei no restante desta série sobre os potenciais impactos e o momento das tecnologias avançadas. Lidar diretamente com o quão “audaciosa” nossa situação parece ser tem sido, inegavelmente, fundamental para mim.
7Espalhar-se pela galáxia certamente seria mais difícil se nada como o upload de mentes pudesse ser feito; discuto o upload de mentes em um artigo separado. Este é parte do motivo pelo qual acredito que assentamentos espaciais futuros poderiam ter um aprisionamento de valor, como discutido acima. Eu acharia uma visão de que o “upload de mentes é impossível” como sendo “audaciosa” à sua própria maneira, porque ela implica que os cérebros humanos são tão especiais que simplesmente não há como, nunca, replicar digitalmente o que eles estão fazendo. (Obrigado a David Roodman por este ponto.)
8Ou seja, uma Inteligência Artificial avançada que persegue objetivos próprios e que não são compatíveis com a existência humana. Escreverei mais sobre essa ideia. As discussões existentes sobre isso incluem os livros Superintelligence,(Superinteligência), Human Compatible, Life 3.0 , e The Alignment Problem (O problema do alinhamento), A apresentação mais curta e acessível que conheço é The case for taking AI seriouslyas a threat to humanity (O caso que leva a sério a Inteligência Artificial como sendo uma ameaça à humanidade) – Artigo na Vox por Kelsey Piper. Este relatório, sobre o risco existencial de uma Inteligência Artificial que visa poder, escrito por Joe Carlsmith da Open Philanthropy, estabelece um conjunto detalhado de premissas que coletivamente implicariam que o problema é sério.
9Obrigado a Carl Shulman por este argumento.