Pessoas digitais: Perguntas frequentes

Artigo que acompanha “Pessoas digitais seriam mais importantes ainda.”

Este artigo acompanha Pessoas digitais seriam mais importantes ainda, o terceiro de uma série de postagens sobre a possibilidade de estarmos no século mais importante da história da humanidade.

Este artigo discute questões básicas sobre “pessoas digitais”; por exemplo, simulações computacionais extremamente detalhadas e realistas de pessoas específicas. Esta é uma tecnologia hipotética (mas, acredito, realista) que poderia ser a chave para uma transição para uma civilização estável em toda a galáxia. (Outro artigo descreve as consequências de tal tecnologia; este artigo se concentra em questões básicas sobre como isso pode funcionar).

Será importante ter esse cenário em mente, porque argumentarei que os avanços da Inteligência Artificial neste século poderiam levar rapidamente ao desenvolvimento de pessoas digitais ou a uma tecnologia importante semelhante. 

O potencial transformador de algo como pessoas digitais, combinado com a rapidez com que a Inteligência Artificial levaria a isso, forma o argumento de que poderíamos estar no século mais importante.

Esta tabela (também no capítulo anterior) serve como um resumo dos dois artigos juntos:

O século mais importante

Índice para as Perguntas Frequentes

  • Noções básicas
    • Noções básicas sobre pessoas digitais
    • Estou achando isso difícil de imaginar. Você poderia fazer uma analogia?
    • As pessoas digitais poderiam interagir com o mundo real? Por exemplo, uma empresa real poderia contratar uma pessoa digital para trabalhar nela?
  • Humanos e pessoas digitais
  • As pessoas digitais poderiam ser conscientes? Elas poderiam merecer direitos humanos?
  • Digamos que você esteja errado e as pessoas digitais não pudessem ser conscientes. Como isso afetaria os seus pontos de vista sobre como elas poderiam mudar o mundo?
  • Viabilidade
    • As pessoas digitais são possíveis?
    • Em quanto tempo as pessoas digitais seriam possíveis?
  • Outras dúvidas
    • Estou tendo problemas para imaginar um mundo de pessoas digitais — como a tecnologia poderia ser introduzida, como elas interagiriam conosco, etc. Você poderia traçar um cenário detalhado de como seria a transição do mundo de hoje para um mundo cheio de pessoas digitais?
    • As pessoas digitais diferem dos uploads de mentes?
    • Uma cópia digital minha, seria eu?
    • Quais outras perguntas posso fazer?
    • Por que tudo isso importa?

Noções Básicas

Noções básicas sobre pessoas digitais

Para ter a ideia de pessoas digitais, imagine uma simulação computacional de uma pessoa específica, num ambiente virtual. Por exemplo, uma simulação sua que reagisse a todos os “eventos virtuais” (fome virtual, clima virtual, um computador virtual com uma caixa de mensagens) exatamente como você faria.

O filme Matrix oferece uma intuição adequada para a ideia com sua realidade virtual totalmente imersiva. Mas, ao contrário dos heróis de Matrix, uma pessoa digital não precisa estar conectada a nenhuma pessoa física — elas podem existir como software puro.26

Como outros softwares, as pessoas digitais podem ser copiadas (como no Duplicador) e executadas em velocidades diferentes. E seus ambientes virtuais não teriam que obedecer às regras do mundo real —eles poderiam funcionar da maneira que os designers de ambiente quisessem. Essas propriedades gerariam a maioria das consequências das quais falo no artigo principal.

Estou achando isso difícil de imaginar. Você poderia fazer uma analogia?

Hoje não existe nada que se pareça muito com uma pessoa digital, mas para começar a abordar a ideia, considere esta pessoa simulada:

Esse é o lendário jogador de futebol americano Jerry Rice, retratado no videogame Madden NFL 98. Ele representa provavelmente o melhor que alguém naquela época (1997) poderia fazer para simular o verdadeiro Jerry Rice, no contexto de um jogo de futebol americano.

A ideia é que esse personagem de videogame corra, salte, faça recepções, deixe a bola cair e responda aos desarmes o mais próximo possível de como o verdadeiro Jerry Rice faria em situações análogas. (Pelo menos, é isso que ele faz quando o jogador de videogame não o está controlando explicitamente.) A simulação é uma versão muito rudimentar, simplificada e restrita a jogos de futebol americano da realidade. Com o passar dos anos, os videogames avançaram e suas simulações de Jerry Rice — assim como o resto dos jogadores, o campo de futebol, etc. — tornaram-se cada vez mais realistas:27

OK, a última é uma foto do verdadeiro Jerry Rice. Contudo, imagine que os desenvolvedores de jogos continuassem a criar suas versões de Jerry Rice cada vez mais realistas e que o universo do jogo se ampliasse,28 a tal ponto, que o Jerry Rice simulado pudesse dar entrevistas a jornalistas virtuais, brincar com seus filhos virtuais, declarar impostos online e fazer tudo o que o verdadeiro Jerry Rice faria.

Nesse caso, o Jerry Rice simulado teria uma mente que funcionaria exatamente como a do verdadeiro Jerry Rice. Seria uma versão “pessoa digital” de Jerry Rice.

Agora imagine que alguém fizesse o mesmo para todas as pessoas, e você imaginará um mundo de pessoas digitais.

As pessoas digitais poderiam interagir com o mundo real? Por exemplo, uma empresa real poderia contratar uma pessoa digital para trabalhar nela?

A resposta é sim para ambas as perguntas.

  • Uma pessoa digital poderia ser conectada a um corpo de robô. As câmeras alimentariam sinais de luz para a mente da pessoa digital e os microfones, os sinais sonoros; a pessoa digital enviaria sinais para, por exemplo, mover a mão, que iriam para o robô. Os humanos geralmente podem aprender a controlar implantes dessa maneira, então parece muito provável que as pessoas digitais também poderiam aprender a pilotar robôs.
  • As pessoas digitais poderiam habitar um “escritório” virtual com um monitor virtual exibindo seu navegador da Web, um teclado virtual no qual digitariam, etc. Elas usariam essa configuração para enviar informações pela Internet, assim como os humanos biológicos o fazem (e como fazem os bots de hoje). Assim, elas responderiam e-mails, escreveriam e enviariam memorandos, postariam nas redes sociais e realizariam outros “trabalhos remotos” normalmente, sem precisar de nenhum “corpo” do mundo real.

O escritório virtual não precisaria ser como o mundo real em todos os seus detalhes — um ambiente virtual bastante simples com um “computador virtual” básico seria suficiente para uma pessoa digital realizar a maioria do “trabalho remoto”.

  • Elas também poderiam fazer chamadas telefônicas e de vídeo com humanos biológicos, transmitindo seu “rosto/voz virtual” para o humano biológico do outro lado da linha.

No geral, você poderia ter o mesmo relacionamento com uma pessoa digital que você teria com qualquer pessoa que você nunca conheceu pessoalmente.

Humanos e pessoas digitais

As pessoas digitais seriam conscientes? Elas teriam direitos humanos?

Imagine uma cópia digital detalhada de você, capaz de enviar e receber sinais de e para um corpo virtual em um mundo virtual. Essa pessoa digital envia sinais instruindo o corpo virtual a colocar a mão em um fogão virtual. Como resultado, a pessoa digital recebe sinais que simulam a sensação de queimadura na mão. Ela processa esses sinais e, em resposta, envia outros sinais para a boca, fazendo-a gritar “Ai!”, e para a mão, ordenando que se afaste do fogão virtual.

Essa pessoa digital sente dor? Elas são realmente “conscientes” ou “sensíveis” ou “vivas?” Da mesma forma, devemos considerar a experiência da queimadura como um evento infeliz, que gostaríamos que tivesse sido evitado para que elas não tivessem que passar por isso?

Esta não é uma questão da Física ou Biologia, mas sim da Filosofia. E uma resposta completa está fora do escopo deste artigo.

Acredito que simulações suficientemente detalhadas e precisas de humanos seriam conscientes, no mesmo grau e pelas mesmas razões que os humanos são conscientes.29

É difícil colocar uma probabilidade nisso quando não está totalmente claro o que a afirmação significa, mas acredito que esta seja a melhor conclusão disponível, dado o estado da Filosofia da Mente acadêmica. Presumo que essa visão seja bastante comum, embora não universal, entre os filósofos da mente.30

Darei uma explicação abreviada do porquê, por meio de alguns experimentos mentais.

Experimento mental 1. Imagine que alguém, de alguma forma, substituísse um dos meus neurônios por um “neurônio digital”: um dispositivo elétrico, feito do material de que os computadores atuais são feitos, em vez do material de que meus neurônios são feitos. E, que gravasse informações de entrada de outros neurônios (talvez usando uma câmera para monitorar os vários sinais que eles estavam enviando) e, então, enviasse informações de saída para eles exatamente no mesmo padrão do neurônio antigo.

Se alguém fizesse isso comigo, eu não me comportaria de maneira diferente, nem teria como “perceber” a diferença.

Agora imagine que alguém fizesse o mesmo com todos os outros neurônios do meu cérebro, um por um — de modo que meu cérebro tivesse apenas “neurônios digitais” conectados mutuamente, recebendo sinais de entrada de meus olhos/ouvidos/, etc. e enviando sinais de saída para meus braços/pés/, etc. 

Eu ainda não me comportaria de maneira diferente de forma alguma, ou de alguma maneira “perceberia” isso.

Enquanto você estivesse trocando todos os neurônios, eu não notaria nenhuma diminuição na clareza dos meus pensamentos. Hipótese: se eu percebesse essa diminuição, essa “percepção” me afetaria de maneiras que poderiam alterar meu comportamento. Por exemplo, eu poderia notar a perda de clareza nos meus pensamentos. Mas já especificamos que os sinais de entrada e saída do meu cérebro não se alterariam, o que significa que o meu comportamento não mudaria.

Agora, imagine que alguém removesse o conjunto de “neurônios digitais” interconectados da minha cabeça e alimentasse sinais de entrada e saída similares diretamente (em vez de através de meus olhos/ouvidos/, etc.). Esta seria uma versão digital de mim: uma simulação do meu cérebro, rodando em um computador. E que, em nenhum momento, eu tivesse notado qualquer alteração — nenhuma diminuição de consciência, nenhum sentimento silenciado, etc.

Experimento mental 2. Imagine que eu tivesse uma conversa com uma cópia digital de mim mesmo — uma simulação extremamente detalhada de mim, que reagisse a todas as situações, exatamente como eu o faria.

Se eu perguntasse à minha cópia digital se ela era consciente, ela insistiria que sim (assim como eu o faria em resposta à mesma pergunta). Se eu explicasse e demonstrasse sua situação (por exemplo, que ela é uma pessoa “virtual”) e perguntasse se ela ainda achava que era consciente, ela continuaria a insistir que sim (assim como eu o faria, se passasse pela experiência de ser informado que eu estava sendo simulado em algum computador — algo que minhas observações atuais não podem descartar).

Duvido que haja qualquer argumento que pudesse convencer meu interlocutor digital de que ele não era consciente. Se um processo de raciocínio, funcionando exatamente como o meu, com acesso a todos os mesmos fatos aos quais tenho acesso, está convencido de que “o Holden-digital é consciente”, que base racional eu teria para pensar que isso está errado?

Considerações gerais:

  • Imagino que seja o que for a consciência, ela é a causa de coisas como “eu digo que sou consciente” e também a fonte de minhas observações sobre minha própria experiência consciente. O fato de meu cérebro ser feito de neurônios (em oposição a chips de computador ou qualquer outra coisa) não é nada que não desempenhe nenhum papel em minha propensão a dizer que sou consciente, ou nas observações que faço sobre minha própria experiência consciente: se meu cérebro fosse um computador em vez de um conjunto de neurônios, enviando os mesmos sinais de saída, eu expressaria as mesmas crenças e observações sobre minha própria experiência consciente.
  • A causa de minhas afirmações sobre a consciência e a fonte de minhas observações sobre minha própria consciência não tem relação com o material de que meu cérebro é feito; em vez disso, é algo que tem relação com os padrões de processamento de informações que meu cérebro executa. Um computador executando os mesmos padrões de processamento de informações teria, portanto, tantos motivos para se considerar consciente quanto eu tenho.
  • Finalmente, meu entendimento ao conversar com físicos é que muitos deles acreditam que existe algum sentido importante no argumento de que “o universo só pode ser entendido fundamentalmente como padrões de processamento de informações” e que a distinção entre, por exemplo, neurônios e processadores de computador parece improvável de ter algo “profundo” a seu respeito.31

Para mais detalhes sobre este tópico, veja:

Digamos que você esteja errado e as pessoas digitais não pudessem ser conscientes. Como isso afetaria os seus pontos de vista sobre como elas poderiam mudar o mundo?

Digamos que pudéssemos fazer duplicatas digitais dos humanos atuais, mas que elas não fossem conscientes. Nesse caso:

  • Elas ainda seriam extremamente produtivas em comparação com os humanos biológicos. E estudá-las esclareceria fatos sobre a natureza e o comportamento humanos. Então, as seções sobre Produtividade e Ciência Social ficariam praticamente inalteradas.
  • Elas ainda acreditariam ser conscientes (já que acreditamos ser, e elas seriam simulações de nós). Elas ainda poderiam procurar expandir-se pelo espaço e estabelecer comunidades estáveis/”aprisionadas” para preservar os valores com os quais se importam.
  • Devido à sua produtividade e grandes números, eu presumiria que a população de pessoas digitais determinaria como seria o futuro a longo prazo da galáxia — inclusive para os humanos biológicos.
  • Os riscos gerais seriam menores, se o grande número de pessoas digitais em toda a galáxia e as experiências virtuais que elas tivessem “não importassem”. Mas os riscos seriam ainda maiores, já que a maneira como as pessoas digitais configurassem a galáxia determinaria como seria a vida humana.

Viabilidade

As pessoas digitais são possíveis?

Elas certamente não são possíveis hoje. Não temos ideia de como criar um software que “responda” a dados de vídeo e áudio (por exemplo, enviando os mesmos sinais para falar, mover, etc.) da maneira que um ser humano em particular o faria.

E não podemos simplesmente copiar e simular cérebros humanos, porque relativamente pouco se sabe sobre o que o cérebro humano faz. Os neurocientistas têm uma capacidade muito limitada de fazer observações sobre isso.32 (Podemos fazer um bom trabalho simulando alguns dos principais sinais de entrada do cérebro – as câmeras parecem captar imagens tão bem quanto os olhos humanos, e os microfones parecem capturar o som tão bem quanto os ouvidos humanos.33)

As pessoas digitais são uma tecnologia hipotética e podemos um dia descobrir que elas são impossíveis. Mas, pelo que sei, não há nenhuma razão atual para acreditar que elas sejam impossíveis.

Eu pessoalmente apostaria que elas eventualmente serão possíveis — pelo menos através do upload de mentes (escaneamento e simulação de cérebros humanos).34 

Acho que é uma questão de (a) a neurociência avançar até o ponto em que possamos observar e caracterizar minuciosamente os principais detalhes do que os cérebros humanos estão fazendo — um caminho potencialmente muito longo, mas não sem fim; (b) desenvolver um software que simule esses detalhes importantes; (c) executar a simulação de software em um computador; (d) fornecer um corpo virtual e um ambiente virtual “suficientemente bons”, o que poderia ser bastante simples (possibilitando, por exemplo, falar, ler e digitar, o que seria um avanço significativo). Acho que (a) esta é a parte difícil e imaginaria que isso (c) poderia ser feito até mesmo no hardware de um computador atual.35

Não detalharei isso neste artigo, mas posso fazê-lo no futuro, se houver interesse.

Em quanto tempo as pessoas digitais seriam possíveis?

Não acredito que tenhamos uma boa maneira de prever quando os neurocientistas entenderão o cérebro bem o suficiente para começar a fazer o upload de mentes — além de dizer que não parecemos estar nem perto disso hoje.

A razão pela qual acho que as pessoas digitais poderiam surgir nas próximas décadas é diferente: acredito que poderíamos inventar outra coisa (principalmente inteligência artificial avançada) que aceleraria drasticamente a pesquisa científica. Se isso acontecer, veremos todos os tipos de novas tecnologias que mudam o mundo emergindo rapidamente — incluindo pessoas digitais.

Também acredito que pensar em pessoas digitais ajuda a formar intuições sobre o quão produtiva e poderosa a Inteligência Artificial avançada poderia ser (discutirei isso em um artigo futuro).

Outras dúvidas

Estou tendo problemas para imaginar um mundo de pessoas digitais — como a tecnologia poderia ser introduzida, como elas interagiriam conosco, etc. Você poderia traçar um cenário detalhado de como seria a transição do mundo de hoje para um mundo cheio de pessoas digitais?

Darei um exemplo de como as coisas poderiam acontecer. É um pouco enviesado para o lado otimista, então isso não se tornaria imediatamente uma distopia. E está enviesado para o lado mais “conhecido”: não exploro todas as possíveis consequências radicais das pessoas digitais.

Nada mais no artigo depende de que esta história seja precisa; o único objetivo é tornar um pouco mais fácil imaginar este mundo e pensar sobre as motivações das pessoas nele.

Então, imagine que:

Um dia, uma tecnologia de upload de mentes funcionais estivesse disponível. Para simplificar, suponhamos que o preço fosse modesto desde o início.36 O que isso significaria: quem quisesse poderia ter seu cérebro escaneado, criando uma “cópia digital” de si mesmo.

Algumas dezenas de milhares de pessoas criariam “cópias digitais” de si mesmas. Portanto, agora existiriam dezenas de milhares de pessoas digitais vivendo em um ambiente virtual simples, composto por prédios de escritórios, apartamentos e parques.

Inicialmente, cada pessoa digital pensaria como a pessoa não digital da qual foi copiada, embora, com o passar do tempo, suas experiências de vida e estilos de pensamento divergissem.

Cada pessoa digital conseguiria projetar seu próprio “corpo virtual” que a representaria no ambiente. (Isso é um pouco como escolher um avatar – os corpos precisariam estar em uma faixa normal de altura, peso, força, etc., mas seriam bastante personalizáveis.)

O servidor de computador que rodaria todas as pessoas digitais e o ambiente virtual nos quais elas habitassem seria de propriedade privada. No entanto, graças à regulamentação presciente, as próprias pessoas digitais seriam consideradas pessoas com plenos direitos legais (não propriedade de seus criadores ou da empresa de servidores). Elas fariam suas próprias escolhas, sujeitas à lei, e contariam com algumas proteções iniciais básicas, como:

  • Para continuarem existindo, o proprietário do servidor onde estivessem instaladas deveria optar por executá-las. No entanto, cada pessoa digital inicialmente deveria ter um contrato pré-pago de longo prazo com qualquer empresa de servidor que as estivesse executando no início, para que pudessem ter certeza de existir por um longo tempo. Digamos, pelo menos 100 anos a partir da data de nascimento de sua cópia biológica — se assim o desejassem.
  • Elas deveriam ser completamente informadas sobre sua situação como pessoa digital, receber outras informações sobre o que estivesse acontecendo, poder entrar em contato com pessoas-chave, etc. Da mesma forma, inicialmente apenas pessoas com 18 anos ou mais poderiam ser copiadas digitalmente, embora pessoas digitais posteriores pudessem ter seus próprios “filhos digitais” — veja abaixo.
  • Seu ambiente virtual deveria atender a certos critérios inicialmente (por exemplo, nenhuma violência ou sofrimento infligido a elas, ampla oferta de comida e água virtual). Elas teriam sua própria conta bancária com algum dinheiro para começar e poderiam ganhar mais, assim como as pessoas biológicas (por exemplo, trabalhando para alguma empresa).
  • O proprietário do servidor não poderia fazer nenhuma alteração significativa em seu ambiente virtual sem seu consentimento (além de parar de executá-las, o que poderia ser realizado após o término do contrato, após algumas décadas). Pessoas digitais poderiam solicitar e oferecer dinheiro para mudanças em seu ambiente virtual (embora qualquer outra pessoa digital afetada também precisasse dar seu consentimento).
  • O proprietário do servidor deveria interromper a execução de quaisquer pessoas digitais que solicitassem a interrupção das suas existências.

As pessoas digitais estabeleceriam relações profissionais e pessoais entre si. Elas também estabeleceriam relacionamentos pessoais e profissionais com humanos biológicos, com quem se comunicariam por e-mail, bate-papo por vídeo, etc.

  • Poderiam trabalhar para a primeira empresa a oferecer cópias digitais de seres humanos, fazendo pesquisas sobre como tornar as futuras pessoas digitais mais baratas.
  • Elas poderiam manter contato com a pessoa biológica a partir da qual foram copiadas, trocando e-mails sobre suas vidas pessoais.
  • Elas estariam quase certamente interessadas em garantir que nenhum ser humano biológico interferisse em seu servidor de maneiras indesejadas, desligando-as, por exemplo.

Algumas pessoas digitais se apaixonariam e se casariam. Um casal poderia “ter filhos” criando uma pessoa digital cuja mente seria um híbrido de suas duas mentes. Inicialmente (sujeito a proteções contra abuso infantil), elas poderiam decidir como seu filho apareceria no ambiente virtual e até mesmo fazer alguns ajustes, como “Quando o cérebro da criança enviasse um sinal para fazer cocô, um arco-íris apareceria”. A criança conquistaria direitos à medida que envelhecesse, como acontece com os humanos biológicos.

Pessoas digitais também poderiam se copiar, desde que cumprissem os requisitos para novas pessoas digitais (garantia de poder viver por um tempo razoavelmente longo, etc.) As cópias teriam seus próprios direitos e não deveriam nada aos seus criadores.

A população de pessoas digitais cresceria, por meio de pessoas que se copiassem e tivessem filhos. Eventualmente (talvez rapidamente, como discutido abaixo), haveria muito mais pessoas digitais do que humanos biológicos. Ainda assim, algumas pessoas digitais trabalhariam, empregariam ou teriam relações pessoais (via e-mail, bate-papo por vídeo, etc.) com humanos biológicos.

  • Muitas pessoas digitais trabalhariam para possibilitar um maior crescimento populacional — tornando mais barato administrar pessoas digitais, construindo mais computadores (no mundo “real”), encontrando novas fontes de matérias-primas e energia para computadores (também no mundo “real”), etc.
  • Muitas outras pessoas digitais trabalhariam na criação de ambientes virtuais cada vez mais criativos, alguns baseados em locais reais, outros mais exóticos (física alterada, etc.) Alguns ambientes virtuais seriam projetados para serem habitados, enquanto outros seriam projetados para serem visitados para recreação. O acesso seria vendido para pessoas digitais que desejassem ser transferidas para esses ambientes.

Então, as pessoas digitais estariam trabalhando, se divertindo, se encontrando, se reproduzindo, etc. Nesses aspectos, suas vidas teriam bastante em comum com as nossas.

  • Como nós, elas teriam algum incentivo para trabalhar por dinheiro. Elas precisariam pagar pelos custos do servidor se quisessem continuar existindo por mais tempo do que o seu contrato inicial, ou se quisessem se copiar ou ter filhos (elas precisariam comprar contratos longos de servidores para quaisquer novas pessoas digitais), ou se quisessem participar de vários ambientes e atividades recreativas.
  • Ao contrário de nós, elas poderiam fazer coisas como copiar a si mesmas, rodar em diferentes velocidades, mudar seus corpos virtuais, entrar em ambientes virtuais exóticos (por exemplo, com gravidade zero), etc.

Os reguladores prescientes criariam maneiras para grandes grupos de pessoas digitais formarem seus próprios estados e civilizações virtuais, que poderiam definir e alterar seus próprios regulamentos.

Alternativas distópicas. Um mundo de pessoas digitais poderia rapidamente se tornar distópico se houvesse uma regulamentação pior ou nenhuma regulamentação. Por exemplo, imagine se a regra fosse “Quem for o dono do servidor poderá executar o que quiser nele”.

Em seguida, as pessoas poderiam fazer cópias digitais de si mesmas nas quais realizariam experimentos, seriam forçadas a trabalhar e até mesmo teriam seu código aberto, para que qualquer pessoa com um servidor pudesse fazer cópias e abusar delas. Este conto muito curto (recomendado, mas arrepiante) dá uma ideia de como isso poderia ser.

Existem outras maneiras (mais graduais) de um mundo de pessoas digitais se tornar distópico, conforme descrito aqui (autoritarismo incontestável) e no Duplicador (pessoas competindo para fazer cópias umas das outras e dominar a população).

E o que os humanos biológicos estariam fazendo enquanto isso? Ao longo desta seção, falei sobre como o mundo seria para pessoas digitais, não para humanos biológicos normais. Estou mais focado nisso, porque prevejo que as pessoas digitais rapidamente se tornariam a maioria da população, e acredito que deveríamos nos preocupar com elas tanto quanto nos preocupamos com os humanos biológicos. Mas se você está se perguntando como seriam as coisas para os humanos biológicos, eu suponho que:

  • Pessoas digitais, devido ao seu número e velocidade de processamento, se tornariam os atores políticos e militares dominantes no mundo. Elas seriam provavelmente as pessoas que determinariam como seria a vida dos humanos biológicos.
  • Haveria um avanço científico e tecnológico muito rápido (como discutido abaixo). Portanto, supondo que as pessoas digitais e os humanos biológicos permanecessem com boas relações, eu suporia que os humanos biológicos teriam acesso a tecnologias muito mais avançadas do que as que temos atualmente. No mínimo, presumiria que isso significaria tecnologias médicas praticamente ilimitadas (incluindo, por exemplo, “curar” o envelhecimento e ter uma expectativa de vida indefinidamente longa).

As pessoas digitais diferem dos uploads de mentes?

Uploads de mentes refere-se à simulação de um cérebro humano em um computador. (Geralmente está implícito que isso não seria literalmente um cérebro isolado, ou seja, incluiria algum tipo de ambiente e corpo virtuais para a pessoa que fosse simulada, ou talvez elas estariam pilotando um robô)

O upload de mentes seria uma forma de pessoa digital, e a maioria deste artigo poderia ter sido escrito sobre uploads de mentes. O upload de mentes é a versão mais fácil de imaginar as pessoas digitais, e eu me concentro nela quando falo sobre o motivo pelo qual acredito que as pessoas digitais algum dia serão possíveis e o motivo pelo qual elas seriam conscientes como nós.

Mas também posso imaginar um futuro de “pessoas digitais” que não sejam derivadas da cópia de cérebros humanos, ou mesmo muito semelhantes aos humanos de hoje. Acho que é razoavelmente provável que quando as pessoas digitais forem possíveis (ou logo depois), elas serão bem diferentes dos humanos de hoje.37

A maioria deste artigo se aplicaria a praticamente qualquer entidade digital que:

  1. tivesse valor moral e direitos humanos, como pessoas não digitais;
  2. pudessem interagir com seus ambientes com habilidade e engenhosidade iguais (ou maiores) que as pessoas de hoje.

Com compreensão suficiente de como (a) e (b) funcionam, deveria ser   possível projetar pessoas digitais sem imitar cérebros humanos.

Vou me referir muito a pessoas digitais ao longo desta série para indicar o quão radicalmente diferente o futuro pode ser. Não quero ser interpretado como dizendo que isso envolveria necessariamente a cópia de cérebros humanos reais.

Uma cópia digital minha, seria eu?

Digamos que alguém digitalizasse meu cérebro e criasse uma simulação dele em um computador: uma cópia digital de mim. Isso contaria como “eu”? Devo esperar que essa pessoa digital tenha uma vida boa, tanto quanto espero isso para mim?

Esta é outra questão da filosofia. Minha resposta básica é “Mais ou menos, mas isso não importa muito”. Este artigo é sobre como as pessoas digitais poderiam mudar o mundo radicalmente; isso não depende de nós nos identificarmos com nossas próprias cópias digitais.

Isso depende (um pouco) da questão de as pessoas digitais deverem ser consideradas “pessoas completas”, ou não, no sentido de que nos preocupamos com elas, queremos que evitem más experiências, etc. A seção sobre consciência é mais relevante para esta questão.

Quais outras perguntas posso fazer?

Tantas outras!

Por exemplo:

Brain Uploading » Analysis

Por que tudo isso importa?

O artigo que acompanha pessoas digitais são mais importantes ainda, explica uma série de maneiras pelas quais as pessoas digitais poderiam levar a um futuro radicalmente desconhecido.

Em outra parte desta série, argumentarei que os avanços da Inteligência Artificial neste século poderiam levar rapidamente ao desenvolvimento de pessoas digitais ou a uma tecnologia importante semelhante. O potencial transformador de algo como pessoas digitais, combinado com a rapidez com que a Inteligência Artificial poderia levar a isso, forma o argumento de que poderíamos estar no século mais importante.

Notas

26Os “agentes” são mais parecidos com pessoas digitais. De fato, um deles copia a si mesmo extensivamente.

27Todas foram tiradas deste vídeo, exceto a última.

28Os videogames de futebol americano já se expandiram para simular negociações fora de temporada, contratações e definição de preços de ingressos.

29Também seria possível que existissem “pessoas digitais” conscientes que não se parecessem com os humanos de hoje, mas não vou entrar nisso aqui – vou me concentrar apenas no exemplo concreto de “pessoas digitais” que são versões virtuais dos humanos.

30Conforme o Phil Papers Surveys, 56,5% dos filósofos endossam o fisicalismo, contra 27,1% que endossam o não-fisicalismo e 16,4% “outros”. Acredito que a grande maioria dos filósofos que endossam o fisicalismo concordaria que uma simulação suficientemente detalhada de um ser humano seria consciente. Meu entendimento é que o naturalismo biológico é uma posição marginal/impopular, e que o fisicalismo + a rejeição do naturalismo biológico implicariam em acreditar que simulações suficientemente detalhadas de humanos seriam conscientes. Também presumo que alguns filósofos que não endossam o fisicalismo ainda acreditariam que tais simulações seriam conscientes. David Chalmers é um exemplo — veja The Conscious Mind (A mente consciente). Essas presunções são baseadas apenas em minhas impressões sobre a área de conhecimento.

31De um e-mail de um amigo físico: “Acho que muitas pessoas têm a intuição de que a atividade neural real, produzida por reações químicas reais de neurotransmissores reais, e a atividade elétrica real que você pode sentir com a sua mão, tem, de alguma forma, algumas propriedades que o mero código de computador não poderia ter. Mas uma das mensagens avassaladoras da física moderna é que tudo o que existe — partículas, campos, átomos, etc., é melhor pensado em termos de informação e pode simplesmente *ser* informação. O universo talvez possa ser mais bem descrito como uma abstração matemática. As reações químicas não vêm de alguma propriedade essencial dos átomos, mas de interações sutis entre suas camadas de elétrons de valência. Elétrons e prótons não são partículas bem definidas, elas são nuvens abstratas de massa de probabilidade. Até mesmo o conceito de “partículas” é enganoso; parecendo realmente existir são campos quânticos, os quais são as soluções de equações matemáticas abstratas, e alguns de cujos estados são rotulados pelos humanos como “1 partícula” ou “2 partículas”. Para ser um pouco metafórico, somos como pequenas ondulações em vastas ondas matemáticas abstratas, ondulações cujos padrões e dinâmicas acontecem para executar o processamento de informações correspondente ao que chamamos de senciência. Na minha opinião, nossa existência e o substrato em que vivemos já são muito mais estranhos e efêmeros do que qualquer coisa para a qual possamos fazer upload de humanos.”

32Para uma ilustração disso, veja este relatório: How much computational power does it take to match the human brain? (Quanto poder computacional é necessário para igualar o cérebro humano?). Particularmente a seção Uncertainty in neuroscience (A incerteza na neurociência). Até mesmo estimar quantas operações significativas o cérebro humano realiza é, hoje, muito difícil e complicado — muito menos caracterizar quais são essas operações.

33Esta afirmação é baseada em minha compreensão da sabedoria convencional, além do fato de que o vídeo e o áudio gravados geralmente parecem bastante realistas, o que implica que a câmera/microfone não deixou de registrar muitas informações importantes sobre sua fonte.

34Pressupondo que a tecnologia continuaria avançando, que a espécie não seria extinta, etc.

35Este relatório conclui que um computador que custa ~ US$ 10.000 hoje tem poder computacional suficiente (10^14 FLOP/s, uma medida de poder computacional) para estar dentro de 1/10 do melhor palpite do autor sobre o que seria necessário para replicar o comportamento de entrada-saída de um cérebro humano (1015 FLOP/s). Se considerarmos a estimativa alta do autor, em vez do melhor palpite, é cerca de 10 milhões de vezes mais computação (1022 FLOP/s), o que presumivelmente custaria US $1 trilhão hoje – provavelmente um valor muito alto para valer a pena, mas a computação está ficando cada vez mais barata. É possível que replicar apenas o comportamento de entrada-saída não seja detalhado o suficiente para atingir a “consciência” – embora eu ache que o seria – e, de qualquer forma, seria suficiente para ter consequências na “produtividade e ciências sociais”.

36Na verdade, imagino que seria muito caro inicialmente, mas se tornaria mais barato muito rapidamente devido a uma explosão de produtividade, discutida abaixo.

37Eu também poderia imaginar um futuro no qual as duas propriedades principais listadas no próximo parágrafo — (a) valor moral e direitos humanos, (b) capacidades de nível humano ou superior — seriam totalmente separadas. Ou seja, poderia haver um mundo cheio de (a) IAs com capacidades de nível humano ou superior, mas sem consciência ou valor moral; (b) entidades digitais com valor moral e experiência consciente, mas muito poucas habilidades em comparação com as IAs e até mesmo em comparação com as pessoas de hoje. A maioria das coisas que digo neste artigo sobre um mundo de “pessoas digitais” se aplicaria a esse mundo; neste caso, você poderia pensar em “pessoas digitais” como “equipes” de IAs e entidades moralmente valiosas, mas com poucas habilidades.

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