O duplicador: a clonagem instantânea faria a economia explodir

Esta é a segunda postagem de uma série que explica minha visão de que poderíamos estar no século mais importante de todos os tempos. Aqui está o roteiro para esta série.

  • O primeiro artigo desta série discute nossa era incomum, que pode estar muito próxima da transição entre uma civilização terrestre e uma civilização estável em toda a galáxia.
  • Artigos futuros discutirão como “pessoas digitais” – e/ou Inteligência Artificial avançada – podem ser a chave para essa transição.
  • Este artigo explora uma dinâmica particularmente importante que pode levar pessoas digitais ou Inteligência Artificial avançada a provocar um aumento explosivo na produtividade.

Exploro a questão de como o mundo mudaria se as pessoas pudessem ser “copiadas”. Argumento que isso poderia levar a um crescimento econômico e produtividade sem precedentes. Mais tarde, descreverei como pessoas digitais ou Inteligência Artificial avançada poderiam causar uma explosão de crescimento/produtividade.

Quando algumas pessoas imaginam o futuro, elas imaginam o tipo de coisa que você vê nos filmes de ficção científica. Mas esses futuros de ficção científica parecem muito modestos em comparação com o futuro que eu vislumbro.

Na ficção científica, o futuro difere do presente principalmente por meio de:

  • Edifícios brilhantes, dispositivos eletrônicos e hologramas.
  • Robôs fazendo muitas das coisas que os humanos fazem hoje.
  • Medicina avançada.
  • Transporte aprimorado, de hoverboards a carros voadores, viagens espaciais e teletransporte.

Mas, fundamentalmente, nesses futuros existem os mesmos tipos de pessoas que vemos hoje, com os mesmos tipos de personalidade, objetivos, relacionamentos e preocupações.

O futuro que imagino é enormemente maior, mais rápido, mais estranho e muito, muito melhor ou muito, muito pior se comparado ao dia de hoje. Ele também acontecerá potencialmente muito mais cedo do que os futuros da ficção científica:11 acredito que tecnologias específicas e aparentemente alcançáveis podem nos levar até lá rapidamente.

Essas tecnologias poderiam incluir “pessoas digitais” ou formas específicas de IA avançada cada uma das quais discutirei em um artigo futuro.

Por enquanto, quero me concentrar em apenas um aspecto do que esse tipo de tecnologia permitiria: a capacidade de fazer cópias instantâneas de pessoas (ou de entidades com características semelhantes). A teoria econômica — e a história — sugerem que essa capacidade, por si só, poderia levar a níveis de crescimento econômico e produtividade sem precedentes (na história ou até em filmes de ficção científica). 

Isso ocorre por meio de um processo de retroalimentação autorreforçada na qual a inovação leva a mais produtividade, levando a mais “cópias” de pessoas, que, em contrapartida, criam mais inovação e aumentam a produtividade, o que, por sua vez…

Nesta postagem, em vez de discutir diretamente pessoas digitais ou Inteligência Artificial avançada, manterei as coisas relativamente simples e discutirei uma tecnologia hipotética diferente: o Duplicador de Calvin e Haroldo, que simplesmente copia pessoas.

Como o Duplicador funciona

O Duplicador é retratado nesta série de quadrinhos. Sua principal característica é fazer uma cópia instantânea de uma pessoa:

Um Calvin entra e dois Calvins idênticos saem.

Isso é muito diferente da versão comum (e mais realista) de “clonagem”, na qual o clone de uma pessoa tem o mesmo DNA, mas tem que começar como um bebê e levar anos para tornar-se um adulto.12

Para detalhar isso um pouco, presumirei que:

  • O Duplicador permite que qualquer pessoa crie rapidamente uma cópia de si mesma. Essa cópia pode ser criada a partir do estado atual e condição mental do original ou de um estado anterior (por exemplo, eu poderia fazer uma réplica do “Holden de 1º de janeiro de 2015”).13 Ao contrário de muitos filmes de ficção científica, as cópias funcionariam normalmente (elas não são más, sem alma, decadentes ou qualquer coisa semelhante).
  • O Duplicador pode ser usado para fazer um número ilimitado de cópias, embora cada uma tenha um custo perceptível de produção (elas não são gratuitas).14

Impacto na produtividade

Parece que grande parte da economia atual gira em torno de tentar aproveitar ao máximo o “capital humano escasso”. Ou seja:

  • Algumas pessoas são “escassas” ou “em demanda”. Exemplos extremos incluem Barack Obama, Sundar Pichai, Beyoncé Knowles e Jennifer Doudna.15 Essas pessoas possuem alguma combinação de habilidades, experiência, conhecimento, relacionamentos, reputação, etc., que tornam muito difícil para outras pessoas fazerem o que elas fazem. Exemplos menos extremos seriam quaisquer pessoas que desempenhem um papel crucial em uma organização, sejam difíceis de substituir e, que sejam frequentemente bem pagas.
  • Essas pessoas acabam sobrecarregadas, com muito mais demandas de tempo do que podem cumprir. Exércitos de outras pessoas acabam se dedicando a otimizar o tempo delas e a trabalhar de acordo com suas agendas.

O Duplicador removeria esses gargalos. Por exemplo:

  • Cópias de Sundar Pichai poderiam operar em todos os níveis da Google, equipadas com sua habilidade de se comunicar facilmente com o CEO e tomar decisões como ele faria. Essas cópias também poderiam abrir novas empresas.
  • Cópias do presidente dos Estados Unidos poderiam se encontrar pessoalmente com qualquer eleitor que desejasse entrevistar o presidente, bem como com qualquer congressista ou potencial nomeado, ou conselheiro que o presidente não tivesse tempo de encontrar. Elas poderiam estudar profundamente as principais questões domésticas e internacionais e relatar suas conclusões ao presidente “original”.
  • Cópias de Beyoncé poderiam produzir quantos álbuns o mercado demandasse. Elas poderiam estudar profundamente e se especializar em diferentes gêneros musicais. Poderiam até tentar viver estilos de vida variados para obter experiências distintas, que serviriam de base para álbuns diversos, mantendo ainda a estética e criatividade pessoal de Beyoncé. Provavelmente, haveria pelo menos uma cópia de Beyoncé cujo trabalho musical seria considerado superior ao da original; essa então poderia se replicar ainda mais.
  • Cópias de Jennifer Doudna poderiam investigar qualquer uma das ideias e experimentos que a original não tem tempo de analisar, além de explorar os muitos campos de estudo nos quais ela não teve oportunidade de se especializar. Poderiam existir cópias de Jennifer Doudna atuando na Física, Química e Ciência da Computação, bem como na Biologia, cada uma colaborando com muitas outras cópias de Jennifer Doudna.

A capacidade de fazer cópias para fins temporários — e utilizá-las em velocidades diferentes — pode aumentar a eficiência, como discutirei em um artigo futuro sobre pessoas digitais.

Crescimento explosivo

OK, o Duplicador tornaria a economia mais produtiva – mas quanto mais produtiva? Para responder, resumirei brevemente o argumento que se pode chamar de “o crescimento populacional é o gargalo para o crescimento econômico explosivo”. Recomendo ler mais sobre esse ponto de vista nos links a seguir, todos os quais acho fascinantes:

Nos modelos econômicos padrão, o tamanho total da economia (sua produção total, ou seja, quanto “material” ela cria) é uma função de:

  • Quanto “trabalho” total (pessoas trabalhando) existe na economia;
  • Quanto “capital” (por exemplo, máquinas e fontes de energia – basicamente tudo exceto trabalho) existe na economia; Quão alta é a produtividade, ou seja, quanto é criado para uma dada quantidade de trabalho e capital. Isso às vezes é chamado de “tecnologia”.

Ou seja, a economia cresce quando (a) há mais mão de obra disponível, ou (b) mais capital (tudo menos trabalho) disponível, ou quando (c) a produtividade (“produção por unidade de trabalho/capital”) aumenta.

A população total (número de pessoas) afeta tanto o trabalho quanto a produtividade, porque as pessoas podem ter ideias que aumentam a produtividade.

Uma maneira pela qual as coisas poderiam teoricamente acontecer em uma economia seria a seguinte:

A economia começa com algum conjunto de recursos (capital) sustentando algum conjunto de pessoas (população).

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Obrigado a María Gutiérrez Rojas por estes gráficos

Este conjunto de pessoas têm novas ideias e inovações.

Isto leva a uma certa quantidade de aumento de produtividade, o que significa haver mais produção econômica total16

Isso significa que as pessoas podem se dar ao luxo de ter mais filhos. Elas assim o fazem, e a população cresce mais rapidamente.

Por causa desse crescimento populacional, a economia tem novas ideias e inovações mais rapidamente do que antes (já que mais pessoas significam mais ideias novas).17

     Isso leva a uma produção econômica maior ainda e a um crescimento populacional mais rápido ainda, em um ciclo de autorreforço: mais ideias → mais produção → mais pessoas → mais ideias → ….

Quando você incorpora essa retroalimentação completa em modelos de crescimento econômico,18 eles preveem que (sob suposições plausíveis) a economia mundial terá um crescimento acelerado.19 “Crescimento acelerado” é uma dinâmica bastante “explosiva” na qual a economia pode ir de pequena a extremamente grande com uma velocidade desorientadora.

O padrão de crescimento previsto por esses modelos parece se encaixar razoavelmente bem aos dados da economia mundial nos últimos 5000 anos;  veja Modeling the Human Trajectory (Modelando a trajetória humana), embora haja um debate em aberto sobre este argumento. Discuto como o debate poderia mudar minhas conclusões aqui. No entanto, nas últimas centenas de anos, o crescimento não acelerou; ele tem sido “constante” (uma dinâmica menos explosiva) ao redor do nível de crescimento que temos hoje.

Por que o crescimento acelerado migrou para o crescimento constante?

Essa mudança coincidiu com a transição demográfica. Na transição demográfica deixou de ser o caso de que ter mais produção> ter mais filhos. Em vez disso, mais produção significou apenas que as pessoas se tornaram mais ricas, e, na verdade, tiveram menos filhos à medida que sua riqueza aumentava.

Isso quebrou o ciclo de autorreforço descrito acima

Transição demográfica

     Criar filhos é um investimento massivo (de tempo e energia pessoal, não apenas “capital”), e os filhos demoram muito para crescer. Ao mudar o que é necessário para aumentar a população, o Duplicador pode restaurar a retroalimentação acelerada.

Tabela O século mais importante

Esta figura de Could Advanced AI Drive Explosive Economic Growth? (A Inteligência Artificial avançada poderia impulsionar o crescimento econômico explosivo?) ilustra como as próximas décadas podem parecer diferentes com crescimento exponencial constante em comparação com o crescimento acelerado:

 O século mais importante

Para ver exemplos de números mais detalhados (mas simplificados) que demonstram o crescimento explosivo, consulte a nota de rodapé.20

Se quiséssemos adivinhar o que um Duplicador poderia fazer na realidade, poderíamos imaginar que ele causaria um retorno ao tipo de aceleração que a economia mundial teve historicamente. Isso significaria, vagamente, com base em Modeling the Human Trajectory (Modelando a trajetória humana), que a economia atingiria tamanho infinito em algum momento no próximo século.21

Claro, isso não acontecerá — em algum momento o tamanho da economia será limitado pelos recursos naturais básicos, como o número de átomos ou a quantidade de energia disponível na galáxia. Mas em algum ponto entre o momento que vivemos e ficar sem espaço/átomos/energia/alguma coisa, poderíamos facilmente ter níveis de crescimento econômico que seriam massivamente mais rápidos do que qualquer coisa na história.

Nos últimos 100 anos, a economia dobrou de tamanho a cada poucas décadas. Com um Duplicador, ela poderia dobrar de tamanho a cada ano ou mês, na direção de atingir os seus limites.

Dependendo de como as coisas acontecessem, essa produtividade poderia resultar no fim da escassez e da necessidade material, ou então em uma corrida distópica entre pessoas diferentes criando o máximo possível de cópias de si mesmas na esperança de dominar a população; ou em muitos outros cenários intermediários e alternativos.

Conclusão

Acho que o Duplicador seria uma tecnologia mais poderosa do que as “dobras espaciais” da Jornada nas Estrelas, tricorders, armas de laser22 ou até teletransportadores. As mentes são a fonte de inovação que pode criar todas essas outras coisas. Portanto, conseguir duplicá-las com baixo custo seria uma situação extraordinária.

Uma tecnologia mais difícil de intuir, mas mais poderosa ainda, seriam as pessoas digitais, a capacidade de rodar simulações detalhadas de pessoas23 em um computador.

Essas pessoas simuladas poderiam ser copiadas no estilo do Duplicador e também poderiam ser aceleradas, desaceleradas e redefinidas, com ambientes virtuais totalmente controlados.

Acho que esse tipo de tecnologia provavelmente será possível e espero que um mundo onde ela exista seja ainda mais “audacioso” do que um mundo com o Duplicador. Detalharei isso no próximo artigo.

Notas

11Por exemplo, o capitão Kirk de Jornada nas Estrelas assume o comando da nave Enterprise em meados dos anos 2200. Acho que poderíamos antes de 2100 viver em um mundo muito mais avançado e transformado do que o de Jornada nas Estrelas.

12Exemplo

13Não é bem assim que funciona nos quadrinhos, mas é como funcionará aqui.

14O Duplicador da história em quadrinhos queima depois de algumas cópias, mas ele é apenas um protótipo. 

15Bióloga que co-inventou o CRISPR e ganhou o Prêmio Nobel em 2020.

16Cada ideia dobra a quantidade de milho.

17Uma população em crescimento mais rápido não significa necessariamente um avanço tecnológico mais rápido. Pode haver “retornos decrescentes”: as primeiras ideias são mais fáceis de ter do que as seguintes, portanto, mesmo que o esforço para encontrar novas ideias aumente, novas ideias são encontradas mais lentamente. Are Ideas Getting Harderr To Find? [As ideias estão ficando mais difíceis de encontrar?] é um artigo bem conhecido sobre este tópico. População maior é igual a progresso tecnológico mais rápido se a população estiver crescendo mais rápido do que a dificuldade de ter novas ideias. Essa dinâmica é retratada de forma simplificada no gráfico: inicialmente as pessoas têm ideias que levam à duplicação da produção de milho, mas depois as ideias levam apenas a um aumento de 1,5 vezes na produção de milho.

18É crucial incluir a etapa “mais produção → mais pessoas”, que com frequência não existe obrigatoriamente e não descreve o mundo de hoje, mas poderia descrever um mundo com O Duplicador. É usual que os modelos de crescimento incorporem as outras partes da retroalimentação: mais pessoas -→ mais ideias -→ mais produção.

19Esta premissa é defendida em detalhes em Could Advanced AI Drive Explosive Economic Growth (Poderia a Inteligência Artificial avançada impulsionar o crescimento econômico explosivo?)

20Veja as notas de fim.

21Como mencionado acima, há um debate em aberto sobre se o crescimento econômico passado realmente segue o padrão descrito em Modeling the Human Trajectory (Modelando a trajetória humana). Discuto como o debate poderia mudar minhas conclusões aqui; de qualquer forma, acredito que há um caso suficientemente crível para defender a possibilidade do crescimento explosivo neste século.

22Honestamente, nunca consegui descobrir a razão dessas armas serem melhores do que as normais.

23Ou de algum tipo de entidade que seja adequadamente descrita como um “descendente” de pessoas, como discutirei no artigo sobre pessoas digitais.

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